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  • Foto do escritorLuiz Augusto Camargo

Telespectadores organizados

Como a pandemia do coronavírus afetou a rotina das torcidas organizadas dos principais clubes de São Paulo e quais as lições e aprendizados elas podem aplicar no futebol pós-isolamento social.

 

O ano de 2020 definitivamente entrou para a história. Desde o dia 31 de dezembro de 2019, quando a China alertou a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre uma pneumonia de origem desconhecida, nossa vida não é mais a mesma. A partir do início da pandemia da Covid-19, a humanidade tem a mesma indagação: o que será do futuro pós-pandêmico? Com as medidas de isolamento, praticamente todos os setores mundiais precisaram se adequar a nova realidade imposta pelo vírus. A interação social e a ocupação física dos espaços, por exemplo, são transformações que sentimos desde já, e com o esporte mais popular do planeta e um dos principais entretenimentos mundiais, não poderia ser diferente. Todos os setores do futebol foram afetados e causaram perdas significativas que colocam em xeque diversos aspectos e costumes há muitos anos praticados no esporte bretão. As partidas e a dinâmica de todos os estádios ao redor do mundo mudaram completamente, adotando medidas e protocolos que não imaginávamos nem em um futuro distante. O primeiro país a dar continuidade ao seu campeonato foi a Alemanha, com o recomeço da Bundesliga em 16 de maio. A partir de então, os torneios ao redor do mundo foram retomados, porém com inúmeras e rígidas normas de segurança sanitária. Porém o protocolo mais óbvio, que é a realização das partidas com portões fechados, tem mudado muito a característica do jogo com a neutralidade dos estádios, já que o time da casa sempre teve uma vantagem psicológica com o apoio e incentivo das milhares de vozes presentes. Diante desse atual panorama, como o torcedor fanático, que sempre foi e será o maior patrimônio de um clube, e principal elemento para a fama e popularidade do esporte mais famoso do mundo está se portando ausente dos estádios? Acompanhamos três torcidas organizadas dos três maiores clubes da cidade de São Paulo durante seus jogos em diversos ambientes e circunstâncias para analisar como estão sendo os seus comportamentos distantes de suas arquibancadas, e quais são os principais impactos e mudanças provocados por essa nova era. Ostentando a sua fibra Quinta feira, 10 de setembro de 2020. O maior Derby do Estado de São Paulo estava prestes a ser realizado na Neo Química Arena. Um mês após a conquista de seu 23º título paulista, o Palmeiras do então técnico Vanderlei Luxemburgo, visitava seu maior rival em partida válida pela 9ª rodada do campeonato brasileiro. No lado alviverde, uma oportunidade de alcançar os líderes da tabela e manter o bom retrospecto no clássico em 2020. Do outro lado um Corinthians com a ferida aberta em ter deixado escapar a oportunidade do tetra campeonato paulista e buscando a redenção no campeonato nacional. Ótimos ingredientes para uma noite emocionante na Arena corintiana, porém apenas para os jogadores. Aos torcedores só havia a possibilidade de acompanhar esse embate pela TV, exemplo da Torcida Rasta Alviverde. Nos encontramos por volta das 18 horas com o líder da torcida, Davi, que nos recepcionou em sua pequena porém calorosa sede, localizada na rua Tucuna, a apenas 300 metros do Allianz Parque. No local reuniam-se aproximadamente 10 torcedores naquele momento, já preparando o ambiente com as faixas e bandeiras hasteadas na frontaria, contrastando o verde e branco palestrino com o verde, amarelo e vermelho rastafári, principal inspiração da torcida. Rapazes de várias regiões da cidade chegavam cantando suas tradicionais canções, trazendo consigo tambores e batuques que horas antes do início da partida já agitavam as ruas da região. Bastante cerveja e destilados aqueciam o pré-jogo, e diferente dos anos anteriores, dessa vez o retrospecto positivo no clássico se refletia no otimismo de todos os membros ali presentes. Mesmo jogando como visitante, o Palmeiras iria a campo escalado de forma ofensiva, procurando impor pressão e posse de bola. Weverton, Mayke, Luan, Gustavo Gómez, Matías Viña, Patrick de Paula, Lucas Lima, Gabriel Menino, Zé Rafael, Wesley e Luiz Adriano tinham a responsabilidade de erguer o time na tabela e frustrar novamente o lado alvinegro. A cada minuto que o apito inicial se aproximava, os cânticos ecoavam com mais furor. Finalmente às 19 horas o juiz autorizava o início do duelo. Um jogo bem equilibrado como é de costume, onde mesmo quando um dos times não está atravessando um bom momento, a partida sempre é disputada e aguerrida, tanto que o primeiro lance decisivo do jogo aos 43 minutos teve origem em um pênalti cometido pelo lateral direito Fágner, que dentro da área obstruiu a passagem da bola com o braço. Nesse momento os quase 20 palestrinos presentes vão à loucura, comemorando a marcação como propriamente um gol, que além da vantagem ainda expulsava o capitão corintiano com o cartão vermelho direto. Do pé direito de Luiz Adriano explodia o grito de alegria dos mais de 11 milhões de alviverdes em todo o Brasil, estremecendo também a sede da Rasta, com muita celebração e abraços após o pênalti convertido. O primeiro tempo acaba e mais torcedores vão chegando para compartilhar do momento de alegria e confiança com os parceiros. Ao início da etapa final, não demorou muito para a alegria voltar à tona: em um contra ataque fulminante Gabriel Verón ampliou o marcador aos 25 minutos. Naquele momento, com um jogador a mais, dominando as ações do jogo, e com a vantagem de dois gols, a vitória estava praticamente sacramentada. Os batuques e hinos repercutiam com mais ânimo, e com o término da partida a comemoração se estendeu pelo restante da noite com muito reggae roots e cerveja. A torcida Rasta Alviverde surgiu inspirada na torcida Rasta do Vasco, organizada do clube carioca que é aliada palmeirense, cujo intuito é levar a paz e a positividade para as arquibancadas, apoiando e incentivando o time independente das circunstâncias. A ideia foi semeada pelo então presidente David Bazarello, que em São Paulo oficializou a fundação da torcida com alguns amigos em janeiro de 2013, e desde então o número de seguidores e apoiadores palmeirenses vem crescendo não somente na capital paulista mas em todo o Brasil. Antes da pandemia, a torcida estava presente em todos os jogos no Allianz Parque e também nas partidas fora de casa. O grupo sempre chegava no estádio 2 horas antes do início da partida ao abrir dos portões, carregando seus instrumentos e hasteando suas típicas faixas com as cores rastafári. Após as partidas, eram organizados churrascos para comemorar a presença de todos. Fora dos dias de jogo, a torcida organizava eventos, campeonatos de futebol, ações de marketing para definir todos os planos em prol do clube, principalmente a contribuição financeira pra idealizar todos os projetos da torcida, desde ações sociais até as caravanas para os jogos como visitante. Com a chegada da pandemia, o grupo se voltou com mais ênfase as ações sociais que já existiam, como doações de roupas, cobertores e marmitas para moradores de rua, principalmente nos entornos do Allianz Parque. Assim que os campeonatos foram sendo retomados, a diretoria autorizou que o estádio fosse enfeitado com bandeiras e faixas das torcidas organizadas, algo que a Rasta vem fazendo até hoje com regularidade. Segundo o integrante Tony, a adaptação está sendo difícil, pois uma parte da torcida ainda prefere não participar dos eventos em prol da saúde de seus familiares, e por ser uma torcida relativamente pequena, cada colaborador faz uma grande diferença. A atmosfera que envolve o dia dos jogos, principalmente durante as viagens e caravanas que eram organizadas, são as ações que mais fazem falta para eles, além do momento mais importante que são as comemorações dos gols na arquibancada. Dentre as várias lembranças recentes do Allianz Parque, a mais emblemática de Tony, é o jogo do título brasileiro de 2016. Além de quebrar um jejum de 22 anos sem a conquista, aquela foi a última partida da Chapecoense antes da viagem para a final da copa sul americana na Colômbia, que não ocorreu devido ao trágico acidente aéreo que aconteceria dois dias depois, abalando o mundo do futebol. Ao término da partida, o jovem fez questão de saudar os atletas Josimar e Ananias, os quais já defenderam as cores do Palmeiras anteriormente, e gritou "A gente foi campeão hoje e vocês serão semana que vem!" Eles retribuíram o carinho com um sorriso e o gesto de positivo, porém infelizmente aquela seria a última partida da equipe. A final da copa do Brasil de 2015 também foi marcante, por ser a primeira conquista na nova arena, e pela tensão do jogo, que só foi decidido nas penalidades máximas. O título mais recente conquistado pelo clube, foi o campeonato paulista deste ano, onde venceu o maior rival Corinthians nos pênaltis. Acompanhar a primeira final a distância devido a pandemia foi um grande desafio para a torcida. “Além de ser uma final, é um clássico contra o maior rival, e este é o momento onde mais queremos estar presentes no estádio”, conta Iandra. Mas toda a angústia foi recompensada com a vitória e o 23º título paulista, que não era conquistado desde 2008. “Na adrenalina da vitória, os protocolos de saúde acabam sendo esquecidos, com todos os abraços e calor humano, pois não existe sensação melhor no futebol do que ver seu time de coração levantando um troféu.” Tony ainda conta que prefere assistir os jogos pela TV com o volume máximo, para que a sensação seja a de realmente estar dentro do jogo. Mesmo com a iniciativa dos clubes em permitir a colocação das bandeiras e reproduzir os cânticos da torcida através do sistema de som do estádio, ainda assim ainda fica um vazio na transmissão sem ver as arquibancadas repletas de palmeirenses. “Antes nós entrávamos e as bandeiras eram proibidas, agora as bandeiras entram e nós estamos proibidos (risos) a pandemia inverteu muita coisa.”, completa Tony. A transmissão televisiva causa mais tensão do que acompanhar ao jogo presencialmente. “Você não está em peso com milhares de pessoas incentivando o time com o objetivo comum de sair com a vitória e um sorriso no rosto, além disso, xingar o juiz e os jogadores adversários pessoalmente é muito mais divertido”. A torcida evita criticar e vaiar seus jogadores. O propósito é sempre incentivá-los e venerá-los com a intenção de que todos eles marquem a história no clube se tornando ídolos. Por isso sempre buscam apoiá-los ao invés de reprová-los, mas em alguns momentos um ou outro jogador não tem a noção da grandeza do clube e toda a sua história, e nosso dever nesses casos é se manifestar cobrando uma postura mais dedicada por parte dos atletas. Há um clima de apreensão quanto ao retorno das torcidas, sobretudo pelas medidas preventivas que afetarão o comportamento dos torcedores, principalmente os organizados, além disso, existe o provável aumento no valor dos ingressos, já que os clubes em geral estão numa situação financeira delicada nesse cenário atual. “Mas de qualquer forma, com o retorno voltaremos a cantar e vibrar como nunca, no lugar que nos traz mais alegria que é o Allianz Parque, nossa segunda casa” finaliza Iandra.


Clube bem amado

Quarta feira, 30 de setembro de 2020. O soberano São Paulo Futebol Clube apostava todas as suas fichas em dos desafios mais importantes e decisivos da temporada. Apenas a vitória interessava para a equipe de Fernando Diniz seguir viva na Copa Libertadores da América. Porém, o confronto naquela noite era contra ninguém menos que o gigantesco River Plate, para muitos o melhor clube sul-americano na atualidade. Em caso de empate, o clube do Morumbi se manteria matematicamente com chances de classificação, mas precisaria torcer por um tropeço dos Milionários na última rodada diante da LDU e ainda tirar uma diferença de 11 gols de saldo. Mesmo diante desse complicado panorama, os milhões de tricolores espalhados por todo Brasil alimentavam a fé da classificação, assim como a torcida organizada Movimento Tradição. Nossa jornada iniciou-se na Praça Roosevelt por volta das 17 horas, nos encontrando com o líder da torcida, Rodrigo Freitas, que já nos alertou sobre o risco de um possível confronto com outras organizadas, pois naquela noite Corinthians e Palmeiras também jogariam e, no atual cenário, seus torcedores se reúnem em diversos pontos da cidade para acompanhar as partidas. De início essa informação nos preocupou, porém a apreensão minimizou-se quando mais pessoas chegavam ao local se enturmando conosco. Gente das mais variadas regiões da cidade, homens, mulheres, adolescentes e crianças, uns de bermuda e chinelo, outros ainda com a roupa social vindo diretamente do trabalho. Não é surpresa que o futebol sempre teve esse papel de unir as pessoas independentemente de suas classes sociais, idades ou ideologias. Mesmo com a ciência de todos sobre o perigo de contaminação pelo vírus, a empolgação e entusiasmo acabam abrindo uma brecha no uso das máscaras, que em sua maioria foram guardadas ou dobradas sob o pescoço para saborear a cerveja gelada e prestar todo o apoio pré-jogo com o mais vasto repertório de cânticos incentivando o time. Por volta das 19 horas, quando a maioria dos torcedores já havia chegado, surge também o ônibus fretado que nos levaria até o extremo da zona sul, na comunidade de Paraisópolis. A torcida então começa a se organizar para adentrar o veículo, que para em uma rua paralela à praça, onde fomos entrando carregando os tambores e faixas, que seriam utilizados durante o percurso e na chegada a arena. Assim que foi dada a partida do veículo, iniciou-se uma grande festa, com cantos e batuques que foram repercutindo por todas as ruas que passávamos. Músicas que honram a história da torcida e enaltecem a grandeza do clube que não cessavam por nem um segundo nos quase 16 quilômetros percorridos, mesmo com a apreensão com uma possível emboscada por torcedores rivais. Finalmente, após quase uma hora de viagem, chegamos ao nosso destino. Se na Praça Roosevelt com pouco mais de 60 torcedores já nos sentíamos em peso, agora mais ainda, com outras torcidas se juntando a nós, e mais de 200 vozes reverberando os hinos tricolores enquanto adentrávamos a comunidade na zona sul. A quadra já estava toda enfeitada com bandeiras de grupos de vários lugares do Brasil. Toda a atmosfera pronta para a verdadeira batalha que seria travada na Argentina. As luzes e estrondos dos fogos e rojões, os cantos que já ecoavam com força pela praça Roosevelt e nas ruas por onde o ônibus passava, agora reverberavam com o dobro de intensidade pelas centenas de vozes ansiosas porém confiantes pelo início da partida, servidas com muita cerveja e churrasco. Cada atleta da equipe tricolor tinha seu nome prestigiado durante a escalação. Thiago Volpi, Juanfran, Diego Costa, Léo, Reinaldo, Tchê-Tchê, Daniel Alves, Hernanes, Vitor Bueno, Igor Gomes e Pablo tinham a missão de resgatar o brio dos mais de 16 milhões de tricolores ao redor do Brasil, que desde 2016 não comemoravam uma classificação ao mata-mata da maior competição de clubes do continente. Quanto mais próximo o momento do apito inicial, mais tenso ficava o clima, que mesmo com a festa e os gritos de incentivo, não disfarçavam a angústia e apreensão de uma possível eliminação precoce do Gigante Brasileiro. Enfim a bola rolava, e via-se um jogo truncado com o legítimo clima de libertadores, onde mesmo sem os torcedores presentes na arquibancada, a atmosfera copeira predominava naturalmente com os sete títulos das duas equipes em campo. O time argentino começou pressionando e aos 11 minutos abriu o placar com o atacante Julián Alvarez. Por alguns segundos a quadra sentiu o golpe e diminuiu o volume da empolgação, que gradualmente voltou a crescer, e após 26 longos minutos vinha o empate na cabeçada de Diego Costa, que foi o suficiente para inflamar novamente os ânimos de todos ali presentes com a fé na classificação, já que o time vinha jogando bem, com mais posse de bola e troca de passes. Porém a alegria não durou por muito tempo. Novamente dos pés de Julián Álvarez saiu o último gol da partida, selando a eliminação precoce da equipe de Fernando Diniz, que não esboçou poder de reação durante todo o restante do jogo. Uma narrativa que provavelmente desanimaria a maioria dos torcedores em suas casas, que já estariam mudando de canal ou desligando a TV, mas é nesse cenário que compreendemos a importância que a torcida organizada exerce tanto dentro como fora de campo. Mesmo a mais de dois mil quilômetros de um estádio fechado pela pandemia, todos os torcedores ali presentes não se abalaram com o resultado adverso e a iminente eliminação, e continuaram a cantar e demonstrar toda a alegria e entusiasmo de poder estar ali, acompanhando ao lado dos amigos e aliados a maior paixão de suas vidas, que é o futebol e o São Paulo Futebol Clube.

Fundado em dezembro de 2018, o Movimento Tradição surgiu com o propósito de fiscalizar e cobrar tanto o elenco de atletas quanto da direção do clube, a fim de fazer do São Paulo uma equipe cada vez mais forte e soberana novamente. Essa conduta já se reflete na política e no comportamento dos conselheiros, que passaram a ter uma nova postura no dia a dia da entidade. Antes da pandemia, o maior propósito da torcida era estar sempre presente junto ao time, tanto nos jogos no Morumbi, como em partidas como visitante em outras cidades através de caravanas. Nos jogos em casa, era sempre seguida religiosamente a mesma rotina de se reunir na Praça Roosevelt antes das partidas e retornando até lá para comemorar as vitórias ou esquecer as derrotas, sempre com cerveja, churrasco e muita união. Com a chegada da pandemia, isso obviamente se perdeu com a paralisação dos campeonatos, mas aos poucos, quando se iniciou a flexibilização, o grupo voltou a se reunir para acompanhar as transmissões nas sedes da torcida. Segundo o líder Rodrigo Freitas, a adaptação é muito difícil de assimilar, porque o futebol é paixão, é adrenalina, é estar ali presente, e mesmo que os estádios voltem a ter jogos com torcida de forma parcial, o distanciamento e medidas de prevenção nas arquibancadas não irão trazer a mesma experiência de outrora de forma imediata. Sua maior lembrança é a rotina anterior à pandemia, onde todos podiam festejar e estar presentes no estádio livremente. A última boa lembrança do Morumbi foi a partida contra a LDU, no dia 11 de março, que inclusive foi o último jogo do São Paulo com torcida. Naquela ocasião, houve uma grande festa para recepcionar o time, que fez uma partida impecável e avassaladora, triunfando por 3 a 0. “As transmissões televisivas melhoraram muito atualmente devido a tecnologia, porém ainda existe uma grande quantidade de comentaristas e profissionais que não assumem uma imparcialidade durante as apresentações, especialmente na TV aberta. Isso acaba trazendo um ar de amadorismo à programação esportiva”, enfatiza Rodrigo. Tanto assistindo pela TV, quanto comparecendo pessoalmente ao estádio, o stress e a tensão são praticamente os mesmos, com o diferencial que no campo existe o contentamento de poder estar gritando e apoiando diretamente o time, extravasando mais todos os sentimentos. Os incentivos e críticas vindos da arquibancada são recebidos de formas diferentes de atleta para atleta. Os que honram a camisa e tem um espírito vencedor incorporam o apoio como um combustível, para dar o máximo de si durante os 90 minutos. Porém apesar da luta dos jogadores em campo, nas derrotas a torcida costuma aumentar o nível de pressão e cobrança, ainda mais com atletas que não vem apresentando um bom rendimento. Quando tudo voltar ao normal com a descoberta de uma vacina eficaz contra o vírus, e a torcida novamente poder frequentar os estádios, farão o possível para propiciar o mesmo ambiente de antes. É questão de tempo. Com certeza esse processo será mais desafiador para os clubes, com todas as dívidas principalmente financeiras causadas por esse período. Apesar de tudo isso, o Movimento Tradição e todas as outras torcidas, sejam elas organizadas ou não, sempre irão acompanhar o futebol, independentemente de todos os fatores, pois é a maior paixão do povo brasileiro.


Teu presente é uma lição


Quarta feira, 7 de outubro de 2020. O Sport Club Corinthians Paulista disputaria seu 2º clássico contra o Santos na temporada. Enquanto o alvinegro praiano buscava o G-4 e encostar no então líder Atlético-MG, o Timão em momento conturbado, com forte pressão da torcida e ainda sem técnico efetivo, precisava vencer para não correr o risco de entrar na zona de rebaixamento. Com o time ocupando uma colocação desfavorável na tabela, apresentando um futebol pobre e em meio a pandemia, a maioria das torcidas poderiam não fazer questão de acompanhar essa partida, o que jamais seria o caso da Camisa 12, que em qualquer ocasião e faz presente apoiando o time. O grupo que representa uma das maiores torcidas organizadas do clube, se reuniu para acompanhar essa partida no bairro de Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital Paulista. Após enfrentar a lotação do trem da CPTM e mais um ônibus no horário de pico, finalmente conseguimos chegar ao bar que é a sede da torcida Fiel Ermelino e naquela noite também receberia outras torcidas, em sua maioria a Camisa 12. Fomos recebidos por Macarrão, como é chamado um dos principais integrantes da torcida, que naquele momento estavam em pequeno número com apenas cinco integrantes assistindo ao pré-jogo, mas mesmo assim já havia um clima de ansiedade e tensão pelo início da partida. Conforme o início da partida se aproximava, mais empolgante ficava o ambiente, com faixas sendo estendidas, bastante cerveja gelando no bar e a churrasqueira sendo acesa. Os gritos de apoio ao time ressoavam com mais força à medida que iam chegando mais torcedores. Rojões explodiam iluminando o céu, anunciando que o time do povo estava prestes a entrar no gramado. Cássio, Fagner, Gil, Danilo Avelar, Lucas Piton, Léo Natel, Roni, Gabriel, Mantuan, Luan e Jô eram os encarregados por somar três pontos; além disso alegrar o “bando de loucos” que mesmo distantes fisicamente da Arena devido a pandemia, estão sempre unidos pela alma com o time. A partida se inicia e os gritos de apoio logo encobrem o som da transmissão. O Santos começa pressionando e aos 11 minutos inaugura o marcador com Madson, após uma bela troca de passes do Peixe. A intensidade santista diminuiu após gol, mas o Corinthians não conseguiu melhorar. Apesar de um desempenho bem abaixo do esperado, o Timão conseguiu empatar o clássico nos acréscimos, aos 46 minutos, quando Danilo Avelar aproveitou a sobra do escanteio para estufar rede adversária. A torcida se inflamou com o gol, festejado por todos ali presentes e também ao redor da vizinhança que predominantemente é alvinegra.

Com o término do primeiro tempo, e o alívio do empate, a atenção se volta novamente a presença dos amigos e a degustação da cerveja gelada e churrasco. Mais alguns torcedores vão chegando durante a pausa para acompanhar o restante do jogo, pessoas de todas as idades, idosos, mulheres e crianças que moram na região. Todos ali estavam confiantes na virada e numa exibição melhor da equipe de Dyego Coelho, que voltou com três alterações para a segunda etapa. Mesmo com o time mais corajoso e ocupando mais o campo de ataque, a equipe santista se manteve bem postada e garantiu um ponto importante fora de casa. Mesmo sem a vitória, todos os corinthianos presentes na ocasião se deram por satisfeitos com o placar, já que o time estava ainda buscando uma identidade com a troca de treinador recente. O churrasco e a festa continuaram, pois o que vale mesmo após o apito final é celebrar o amor pelo Corinthians na companhia dos grandes amigos de torcida.

A Fiel Torcida Jovem Camisa 12 foi fundada em agosto de 1971 por jovens torcedores apaixonados pelo Corinthians, pertencentes à denominada "Fiel Torcida", que resolveram homenagear a "Nação Corintiana", exaltando a importância da força da torcida, como um 12º jogador nas arquibancadas.

Antes da pandemia, a torcida acompanhava não somente a equipe principal de futebol, mas também todas as outras modalidades do clube, como futsal, natação ebasquete. Além da presença nas arquibancadas como torcedores, o grupo é um órgão fiscalizador das ações do Corinthians.

Mesmo com a insegurança causada pela chegada da pandemia, a torcida procurou se unir fazendo reuniões para traçar planos e metas durante esse cenário, como a manutenção da loja virtual e física que reabriu após autorização da prefeitura. As ações sociais foram intensificadas, como a distribuição de alimentos e roupas em comunidades pobres a aos moradores de rua, visando mais a Região da Cracolândia.

Segundo Eder Francisco de Souza, chamado por todos de Bob, “no panorama atual não existe uma adaptação, e sim adequação, porque mesmo após tantos meses nesse contexto, foge totalmente da ideologia da torcida não estar presente na arquibancada incentivando o time pessoalmente e não obstante. nenhum integrante está satisfeito com esse cenário”. Um sentimento que se intensificou nesse momento foi a solidariedade, na qual a torcida fez uma série de homenagens a os profissionais da saúde, através de ações por suas redes sociais.

Os fatores que mais fazem falta em estar presente no estádio são a atmosfera vibrante da arquibancada em meio aos irmãos de torcida, o êxtase de comemorar um gol transbordando a alma de alegria , sem distinção de cor ou religião. Até porque segundo Rignaldo de Mello Francisco, chamado por todos de Gomes, “As cores da Camisa 12 são o preto e o branco, e a religião sempre será o Corinthians”. Todo o apoio, a busca pela vitória jogando junto com o time durante os 90 minutos gritando e tremulando as bandeiras são lembranças que deixam uma grande lacuna no coração de todos.

As lembranças mais marcantes da história recente da Arena são, em sua maioria, as vitórias contra o maior rival, Palmeiras. Sendo a principal delas a conquista do título paulista de 2018, onde mesmo com a derrota em casa por 1x0, o mesmo placar foi devolvido no Allianz Parque, garantindo o bi campeonato e um dos títulos mais festejados da história alvinegra. Para Gomes, uma lembrança marcante da Arena foi durante a pandemia, antes do primeiro jogo da final do campeonato paulista, em que a torcida recepcionou o ônibus na entrada do estádio com muita festa, mostrando para todos os jogadores que independente do momento ou da situação, a torcida está presente e nunca vai abandonar o time.

Ainda sobre a final do Paulistão, a sensação de acompanhar os jogos à distância foi bem desconfortável, pelo fato de não poderem se mobilizar da mesma forma, sem a concentração na quadra e o recebimento do time em campo. A final é o jogo mais esperado, onde todos os times lutaram para chegar, e não poder celebrar esse marco da arquibancada é totalmente o avesso do papel que a torcida sempre impôs nesses quase 50 anos de existência. Porém o maior título da historia do clube também foi acompanhado a distância pela grande maioria da torcida, quando o Timão bateu o Chelsea em 2012 pelo mundial de clubes em Tóquio.

A transmissão pela TV de certa forma supre a necessidade de acompanhar a partida, porém nem de longe se compara com a visão e a emoção da presença na Arena. Mesmo porque além da essência de fazer parte do espetáculo, os profissionais que atuam na transmissão na maioria das vezes não te “inserem” no jogo por serem muito imparciais durante a transmissão. Não podem falar tudo o que pensam, tendo um discurso pronto em todas as partidas. Já no rádio a liberdade é maior para os profissionais e a transmissão se torna mais emocionante, mesmo sem as imagens do jogo, o clima e entusiasmo geram uma sensação muito mais empolgante do que na TV. Além disso, a elitização prejudica bastante, pois a maioria dos jogos é ofertada somente na TV por assinatura ou por pacotes de pay-per-view, o que muitas vezes está fora do alcance da torcida mais humilde.

Acompanhar as partidas pela TV é muito mais tranquilo e menos tenso do que pessoalmente, pois você não consegue interferir no andamento da partida com o incentivo aos jogadores, tampouco construir a sua própria narrativa do que está ocorrendo. Na TV cabe aos narradores e comentaristas conduzirem os fatos do jogo, que muitas vezes não enviam a real emoção existente nas quatro linhas.

Dentro dos 90 minutos a torcida visa somente apoiar o jogador, mesmo que ele não seja tão habilidoso ou esteja em um momento ruim no jogo; a função da Camisa 12 é mostrar para o atleta que aquelas milhares de vozes estão do lado dele buscando a vitória e a sua redenção. A crítica quase sempre acaba desmotivando ainda mais o atleta, que sente a pressão e se omite. “Após o jogo sim, a postura muda para conscientizar o time sobre a importância que existe em defender as cores do time do povo. A realidade que podemos acompanhar é que o desempenho ruim do Corinthians nessa temporada tem uma parcela grande pela ausência dos seus torcedores. Os jogadores não têm aquele combustível extra para encorajá-los no jogo.”

A expetativa é alta, porque no início do ano imaginavam que nem haveria a retomada dos campeonatos, então mesmo nessa situação podem dizer que é um “lucro”. Mas até que seja desenvolvida a cura para o vírus, o cenário vai continuar sendo pessimista com jogadores e profissionais dos clubes infectados e os torcedores afastados. Quando se trata de futebol sempre pensam positivo. Acreditam que o time estará jogando bem, bons jogadores serão contratados, o time ganhará títulos, e com o fim da pandemia não pode ser diferente. Além de todos esses desejos o maior deles é a cura e a saúde de toda a humanidade.

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